Quando pessoas se unem para criar uma empresa, é normal que estejam plenas de boa vontade. Por isso, às vezes,  não recorrem a especialistas para  elaborar instrumentos societários que previnam problemas futuros. Com o tempo, dissensões aparecem e os instrumentos jurídicos não ajudam a dirimir  disputas.  Na minha opinião, ao terem a intenção  de formar uma sociedade, convoquem um advogado competente e de confiança, aprendam com ele o essencial da legislação, discutam em profundidade os objetivos que têm em mente e construam um instrumento robusto para facilitar a governança da empresa. Não se deve delegar a tarefa a apenas um futuro sócio para evitar ideias preconcebidas. Todos devem participar e atingir o consenso.

A governança  é, segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), “o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo o relacionamento entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle”. O IBGC criou o Código de Boas Práticas, que  funciona como verdadeiro manual para as empresas e contribui para o estabelecimento de  melhores sistemas de governança nas organizações. As recomendações principais são: transparência das informações de uma gestão;  equidade no tratamento de quotistas/acionistas;  prestação de contas; e  responsabilidade corporativa. Chamaram-me a atenção as recomendações sobre as relações Assembleia de Sócios/Conselho de Administração/Diretoria.

A Assembleia de Sócios é órgão soberano. A lei assegura a esse órgão as decisões  estratégicas da empresa, tais como aumento e redução de capital; reforma do estatuto/contrato social; eleição ou destituição de membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal; deliberar sobre a transformação, fusão, incorporação e cisão da empresa. Logo abaixo, tem-se o Conselho de Administração que é um órgão deliberativo que faz a ponte entre a Assembleia de sócios  e a Diretoria . O Conselho recebe poderes dos sócios e presta conta a eles, e as funções primordiais do Conselho  são orientar e supervisionar a gestão da Diretoria.  Não se deve permitir que sejam delegadas atribuições que são intrínsecas da Assembleia ao  Conselho, ao redigir o estatuto ou contrato social, sob pena de aparecerem desentendimentos futuros(recomendação minha). O Código de Boas Práticas centra  esforços em recomendações sobre o Conselho. Cito algumas: mandato de, no máximo, 2 anos, permitida apenas uma reeleição; a necessidade de que 20% dos membros sejam conselheiros independentes; a Diretoria não deve  participar de reuniões do Conselho em que o trabalho dela será avaliado.

Levando em conta a minha longa experiência  ocupando cargos de administração, acrescento que os membros externos do Conselho  devem dispor de tempo para conhecer  e participar da empresa da qual serão conselheiros. Lembrei-me também de um documentário a que assisti sobre a trajetória da empresa familiar proprietária do tradicional  “Leite de Rosas”, marca existente no mercado há mais de 80 anos. A fórmula do Leite de Rosas foi criada, em 1929, por Francisco Olympio de Oliveira, com a ajuda de um amigo farmacêutico. Em 2003, a família optou por “profissionalizar” a gestão da empresa, afastando-se do negócio e entregando a administração a executivos. A empresa perdeu market share (passou de 19% para 5,5%). Atualmente, a família voltou a atuar, tendo o neto do Sr. Francisco assumido a presidência , já mostrando sinais de franca recuperação.

Esse relato não deixa dúvidas  quanto à recomendação: a necessidade da atuação do(s) fundador(es) ou seus sucessores. É válido o ditado popular  que aconselha: “O olho do dono é que engorda o gado”. Não se pode esquecer que, a despeito de as pessoas jurídicas serem fruto da criação da ciência do Direito, elas têm alma e a história delas chega a se confundir com a história de seus fundadores. Por isso, há necessidade de que os donos estejam  presentes, orientando e relembrando os valores da organização, os desafios e metas. A empresa que deixa para atrás sua origem está fadada ao insucesso. Quanto a executivos contratados, devem  ser treinados e testados  principalmente quanto ao comportamento ético, antes de assumirem os postos. Eu daria preferência a recrutamento interno.