Conversei com o jornalista DUBES SONÊGO, no dia 05 de dezembro de 2016. Ele tinha interesse em conhecer melhores detalhes sobre a Gestão no Brasil, em complemento ao livro de mesmo título, de autoria do Prof. Carlos Bottrel Coutinho. No dia 8/2/17, publicou-se na Época Negócios on line  a reportagem abaixo em que se apresenta um resumo da nossa conversa, conforme abaixo:epoca-negocios

Foram mais de 30 anos de parceria até que José Martins de Godoy e Vicente Falconi rompessem os laços pessoais e profissionais. A trajetória de ambos começou no departamento de engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Evoluiu para a sociedade em uma das maiores e mais conceituadas consultorias de gestão do país, com clientes do porte de Ambev, Gerdau e Vale, e terminou em uma ruidosa divergência.

O episódio aconteceu em 2011, pouco depois da escolha de Mateus Bandeira para CEO. Godoy não concordava com a forma com que Bandeira, apoiado por Falconi, passou a conduzir o negócio, a avaliar o time de consultores e definir promoções. Os três chegaram a trocar farpas por e-mail e a discussão foi parar na imprensa. A pendenga levou à saída de Godoy e abriu caminho para uma reestruturação no Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), que passou a se chamar Falconi Consultores de Resultados – o ciclo, segundo a Falconi, foi encerrado com a conclusão da reestruturação e a renúncia de Bandeira e de outros dois membros da diretoria, no mês passado.

Godoy “foi cuidar da vida”. Aos 76 anos, hoje se dedica aos negócios pessoais; a acompanhar os trabalhos da Fundação de Desenvolvimento Gerencial (FDG), criada para dar suporte em gestão a escolas públicas; e à presidência do conselho de administração do Instituto Aquila, consultoria fundada por seu irmão (Raimundo), por seu filho (Rodrigo) e mais 99 ex-consultores do INDG.

Em sua primeira entrevista desde o afastamento do antigo negócio, em 2011, Godoy fala sobre o rompimento com o ex-sócio – um tema cercado de restrições contratuais, afirma ele – o trabalho pioneiro de ambos na disseminação de conceitos modernos de gestão no Brasil e sobre a situação do setor empresarial brasileiro atualmente, no que diz respeito ao tema.

O rompimento do senhor com Vicente Falconi, em 2011, foi ruidoso, saiu na imprensa. O que aconteceu?
A única coisa que estou autorizado a dizer é que foi por divergências sobre o futuro. No decorrer de trinta e poucos anos, sempre aparecem pontos de vista divergentes. Mas sempre se chega a um denominador comum quando se quer construir. Sempre foi assim. Éramos complementares, não havia concorrência. Foi fantástico e o mercado reconhecia isso. Os concorrentes eram as empresas internacionais. Nos tornamos a maior empresa brasileira de gestão. Crescíamos a taxa de 20% ao ano. Já éramos um grupo de 1,3 mil pessoas.

O senhor fala em diferença de visão. Qual era a sua visão para a Falconi?
Nós tínhamos um acordo de acionistas, muito bem elaborado, por um escritório de São Paulo, que está publicado. A minha visão era o que estava ali. O acordo, celebrado em 2007, dizia o seguinte. Até 2010, nós iríamos transferir ações preferenciais aos consultores. No final de 2010, já tínhamos transferido 28% das ações. A partir de 2011, iríamos começar a distribuir as ações ordinárias. Havia um cronograma. Em 2015, já teríamos distribuído 40% das ordinárias. Ainda teríamos o controle. Mas, em 2020, que já está próximo, nós teríamos apenas 18% das ordinárias. E já teríamos transferido o controle. Por questão de idade e de perenizar a empresa, o plano era transferir as ações para determinadas pessoas. Para transferir as ações preferenciais, sem direito a voto, não era necessária uma seleção muito firme. Se o cara tinha bons resultados, recebia. A partir de 2011, ia começar a luta. Todo mundo se acha no direito e quem não recebe fica desprestigiado. A gente ia ter que fazer uma seleção. Era o plano. Teria que haver uma escolha, uma concentração das ações nas mãos daqueles que iriam continuar o processo. Mas já em 2010 encomendou-se um trabalho da McKinsey (consultoria) e se propôs outra coisa (um novo modelo de governança).

A sua decisão de sair já estava tomada nessa época, em 2010?
Não. Tanto é assim que, em 2011, em um evento com todo o grupo em São Paulo, demos posse ao novo presidente. Era para seguir em frente. Aí é que as divergências em relação ao futuro começaram a aparecer. Estava tudo engrenado. Só o ponto de inflexão, no caso, era o atingimento da idade. Aí, precisamos ter um executivo contratado. Foi o ponto de inflexão.

Ficou alguma mágoa?
Realizei muita coisa. Então, não fica um sentimento de coisas não realizadas, de oportunidades perdidas. Tudo o que apareceu nós atacamos e fomos bem sucedidos. É infinitamente maior a sensação de sucesso do que a de interrupção.

O que fez desde sua saída do INDG?
Tive que ficar três anos de quarentena. Cumpri fielmente o contrato. Fiquei quase quatro. Cuidei da fazenda, dos negócios pessoais, escrevi artigos, regularizei as coisas da família, aqueles afazeres que a gente nunca tem tempo para cuidar. Coloquei a situação em ordem. Eu também continuei o trabalho como conselheiro da FDG, a fundação que nós fundamos depois que saímos da universidade e que, com o novo Código Civil, em 2003, foi transformada em fundação assistencial. Nós nos dedicamos à assistir escolas públicas, uma atividade que não concorre com a da instituição da qual eu saí.  Depois, em 2014, fui convidado a assumir a presidência do conselho de administração do (Instituto) Aquila.

O que mudou com sua entrada no Aquila?
Tenho alguma experiência. Não preciso dizer que é um ano difícil. O Aquila está, pelo que eu pude ver, batalhando e é bem sucedido. O que está nos animando são as possibilidades para 2017. Há uma demanda forte. E a única coisa que a minha experiência me diz é que o entrave para atender a essa demanda é gente boa. O grupo que veio para cá é dos melhores. Gente experiente, com experiência internacional, experiência de trabalho em grandes empresas. É um grupo muito competente. E você não pode contratar qualquer um e colocar na equipe. O que eu posso aconselhar é: contratem e treinem rapidamente, da melhor maneira possível, pelo menos para compor a equipe em determinados projetos, já contribuindo. Hoje, existe a necessidade de entrar nas empresas e produzir resultado logo. Tem que ter uma equipe muito competente. Do contrário, você perde a empresa logo logo. O mercado está muito competitivo.

E como o senhor vê o cenário empresarial brasileiro hoje?
Eu estou, de certa forma, otimista. Existe uma demanda forte. Mas, por outro lado, em um horizonte mais amplo, eu vejo aquele pessoal todo que nós formamos (através da faculdade de engenharia e da consultoria) na década de 1990, se aposentando. E não está havendo reposição. A tendência brasileira também é a de ver as coisas como modismo. O método gerencial que foi inventado e divulgado nos Estados Unidos pela primeira vez em 1936 continua válido. É um método científico para resolver problemas e bater metas. Mas o pessoal acha que agora é outra coisa. Não tem outra coisa. Os japoneses continuam a fazer a mesma coisa. Mas aperfeiçoaram muito a implementação. É como se estivessem torcendo um pano. Não tem mais nada de água e eles continuam. Desperdício zero. Toda empresa tem um grupo de melhoria contínua. Nessas empresas, está todo mundo envolvido.

O senhor não vê essa preocupação nas empresas brasileiras?
Dei duas palestras em 2016. Uma em Recife e outra em Minas. Em Recife, era para um grupo da construção pesada, que está sofrendo horrores com esse momento brasileiro. Havia umas 200 pessoas e eu perguntei quem trabalhava com 5S. Ninguém levantou a mão. E eu pensei, estamos lascados. O 5S é um programa de certa forma simples, mas extremamente profundo. O primeiro “S” é senso de utilização. Você pode explorar o senso de utilização em materiais, energia, talento, pessoas. Se você firmar nesse conceito e olhar todos os itens em que pode economizar, você já obteria um monte de coisas. Depois vem o senso de organização. Quando você organiza, libera espaço. Depois tem o senso de limpeza. Depois tem o senso de saúde e o de auto disciplina. Depois eu perguntei quem tinha grupos de melhoria contínua. Só um levantou a mão, lá no fundo. Perguntei se estava indo bem. Ele respondeu que precisava ainda de melhorias. Mas não sei se é um problema exclusivo do segmento de construção pesada.

Pode contar um pouco sobre sua trajetória até a criação do INDG?
Eu fiz um curso de engenharia metalúrgica muito bom. Mas do ponto de vista informativo. Havia muitos dados sobre como operar um equipamento, como fabricar aço, como fabricar gusa. Durante o curso, tivemos uns dois ou três professores que começaram a aplicar os conhecimentos científicos. Minha turma, particularmente, foi muito influenciada por essa maneira de atuar e eu, depois, fui fazer pós-graduação. Comecei em Belo Horizonte, fui para o Rio de Janeiro e para a Noruega. Voltei da Noruega em 1972 com doutorado em engenharia e comecei a atuar no curso de pós-graduação em engenharia metalúrgica como professor. Mas, por injunções da universidade, tive que cuidar também da graduação. Era a oportunidade de transformar o curso de caráter informativo em um curso de caráter formativo.

Como foi essa transformação?
Fui coordenador da pós-graduação e chefe de departamento durante sete mandatos (não todos seguidos). Foram ao todo 13 anos na chefia de departamento. Eu sempre achei que a gente tinha que formar o pessoal adequadamente para atuar no mercado de trabalho e ter condições de progredir, de não ficar defasado logo após se formar, de ter conhecimento científico na formação. Nessa luta, criamos um programa para atender a indústria siderúrgica, que estava tendo um grande desenvolvimento, recebendo novas tecnologias. E eu pensei: são tecnologias avançadas, quem é que vai dialogar para receber isso? Ofereci para a Acesita (hoje Aperam South America) um programa de mestrado em engenharia (Master of Science) e, mais tarde, de doutorado, para formar gente para dialogar com os fornecedores estrangeiros. O programa foi aceito – chegamos a formar 50 mestres – e se alastrou. Depois foi para a Usiminas, para a Usimec, para a Cosipa, para a CSN. Existe até hoje. Já formou mais de 1,1 mil pós-graduados, entre mestres e doutores. Você faz os créditos na universidade e a tese dentro da usina. Foi um programa pioneiro. Uma coisa que não existia. Normalmente, quando se fala que há inteiração com a indústria, você faz umas vistas, pega umas amostras, algum projeto para estudar na universidade, umas coisas assim. Nesse programa não. As teses são feitas dentro da indústria.

Que resultados trouxe?
Trouxe uma consequência. Aquilo que produzíamos nas teses e monografias, não tinha jeito de ser implementado na indústria. Você saia da tese com uma indicação para fazer uma melhoria. Mas não conseguia implementá-la, porque não havia controle de processos. Isso nos chamou a atenção para a necessidade de controle de processos. Então, em Brasília, lançou-se lá por 1985 um programa de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico. Era vasto e tinha um projeto específico para desenvolver um curso de qualidade e produtividade e fazer a sua difusão. Nós, da faculdade de engenharia, concorremos a esse projeto e ganhamos. Com os recursos, fizemos uma equipe, da qual eu fui o coordenador, e pesquisamos o que acontecia no Brasil e no mundo.

Foi aí que começou a consultoria?
Fomos inicialmente aos Estados Unidos. Eu fui assistir a um seminário do professor Deming (William Edwards Deming), que foi aluno de outro professor ainda mais famoso, o Shewhart (Walter Andrew Shewhart, conhecido como o pai do controle estatístico de qualidade). No pós-guerra, ele foi chamado ao Japão para ajudar a reconstruir o país. A JUSE (União de Cientistas e Engenheiros Japoneses, na sigla em inglês) o chamou. Ficou muito famoso por lá. Outros foram para a Europa. Concluída a fase europeia e americana, estávamos muito influenciados pelo Deming e fomos bater no Japão, que estava quebrando a indústria automobilística americana. Em meados de 1986, conseguimos convencer o principal consultor da JUSE a nos atender e a dar suporte. E começamos a fazer missões técnicas ao Japão. Umas três por ano. Fizemos 33.

Quem bancava?
As empresas ajudavam. Começamos pela indústria siderúrgica. Começamos a exercitar na Cosipa. Em 1988, o Grupo Gerdau nos recebeu com um consultor japonês. Foi a segunda empresa grande. Depois, vieram empresas menores e a CSN. Quando estávamos com uma bagagem boa, em 1989, fizemos um seminário na Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG). Apresentamos à comunidade. Aí começaram a vir as adesões. Belgo, Vale, Petrobras e outras. Em 1990, começou aquele turbilhão. Houve anos que formamos 65 mil pessoas. Mas percebemos, depois de um tempo, que só dar aula não tinha efeito. Porque, apesar de os conhecimentos serem simples, eram difíceis de implementar. Exigiam muita disciplina, muita força de vontade e perseverança. Era preciso dar consultoria. E os japoneses nos ajudaram também. Aí teve Embraer, Mannesman. Uma época, estávamos com 40% do PIB.

Como se deu a criação do INDG?
A partir de 1995, o projeto estava muito grande e a escola de engenharia começou a criar problemas conosco. Eles consideraram que a área de extensão, se comparada a pesquisa e ensino, estava muito grande. Eu ainda resisti por três anos. Mas não teve jeito. Tivemos que sair, e coincidiu também com a minha aposentadoria. Fizemos a Fundação de Desenvolvimento Gerencial (FDG), em 1998. Nesse momento, já saímos da universidade com 130 consultores. Depois, por injunção do novo Código Civil, em 2003, tivemos que fazer o INDG, o instituto. Nessa época, já éramos 350. No dia em que passei o bastão no INDG, tínhamos 1121 consultores.

O senhor tem um projeto na área educacional, que dá apoio em gestão a escolas públicas, através da FDG. Como está vendo o debate sobre o volume de verbas para a educação?
Ainda no último ano na universidade, nós adotamos uma escola aqui, a Escola Estadual Maestro Villa Lobos.  Por obra do destino, já haviam colocado três pessoas na universidade. Tiramos de lá oito caminhões de lixo. Mudaram a escola, os procedimentos. Isso, em 1997. Em 2001, essa escola colocou 150 alunos na universidade. E havia poucas universidades. Havia a Federal, a Católica e mais umas outras aí. Era muito difícil entrar. Hoje, tem muitas universidades. Essa escola se transformou em uma escola com indicadores melhores que o de escolas particulares. Então, eu sei que gestão produz resultados em educação também. Eu sempre estive envolvido com esse trabalho, apesar do trabalho de superintendente (no INDG). Eu escrevi um artigo recentemente dizendo que o Brasil é relativamente bem aquinhoado em recursos. Na OCDE, é o 15º. Tem gente que aporta menos recursos e tem resultados melhores. Tenho outro artigo que se chama “O óbvio na educação”. Não tem mistério. Eles mandam gente para a Coréia, para a Finlândia e para a China para descobrir o que? Que eles têm professores bem formados, bem remunerados e presentes na sala de aula. Outro ingrediente: aluno na sala de aula, cumprindo o currículo rigorosamente, com cobrança. Não tem jeito. O resultado sai. E não é só na educação. É na saúde também. A gestão é péssima.

Existe também uma discussão sobre a educação ser pública ou privada.
A nossa experiência aí está mostrando que o setor privado também não é lá essas coisas, não. Claro que como tem mais recursos, mais seriedade, mais cobrança do professor. Mas também tem lacunas, tem oportunidades de melhoria. Mas o ensino público, se fizesse isso, se detectasse os problemas e as causas, não precisa ser privado. E já detectaram as causas. É fazer.

Fonte: Época Negócios