Uma das coisas que culturalmente mais me incomodam no Brasil (agora não tanto, pois já caí na real) é a questão da não pontualidade. Em várias ocasiões fiz um esforço hercúleo para estar presente em certos eventos no horário e, às vezes, tive que esperar longo tempo para que se iniciassem. Sou incorrigível. Prometo a mim mesmo que na próxima oportunidade vou chegar pelo menos meia hora atrasado. Não aprendo. De novo lá estou eu.

Também pudera. Fui formado por dois excepcionais gestores. Meu pai, fazendeiro, comerciante, reflorestador, me exigiu muito cedo assumir multitarefas. Tudo com prazos bem determinados. Foi ele para o céu no início deste ano, depois de 92 anos bem vividos. Fiquei na fazenda até os 15 anos. Em BH, para prosseguir os estudos, também comecei a trabalhar com meu tio Geraldo Godoy Castro, de quem tenho também muita saudade, logo no segundo dia. Ele contribuiu fortemente para a minha formação. Homem meticuloso, exigente, sabia motivar, elogiar e também apontar as falhas, sempre em particular.

Depois destas experiências edificantes, em que responsabilidades, prazos, horários, tinham que ser assumidos, não poderia eu relaxar os meus procedimentos daí em diante. Além disso, passei por dois testes que aperfeiçoariam minha conduta: na Noruega e com especialistas japoneses (que nos assistiram na UFMG). Estava cursando o mestrado no Rio de Janeiro, quando obtive bolsa de estudos do governo norueguês para fazer o doutorado. Não tive dúvidas, valia a pena. A Noruega era um país muito avançado e a área de meu interesse era desenvolvida na Universidade Técnica da Noruega. O inverno de seis meses por ano e a distância da família eram obstáculos, mas resolvi enfrentar o desafio.

De brasileiros poucos conheciam, pois naquela universidade nenhum havia passado; então, tinha que fazer bem feito. Pensei: com esse povo nórdico, todo certinho, disciplinado, responsável, tenho que redobrar meus cuidados. Normalmente, latino-americanos não são (ou não eram) bem vistos pelo povo do norte. Todo cuidado é pouco. E não deu outra. Caí como uma luva naquele país. Pelo meu temperamento e formação, não houve dificuldade de adaptação. Tudo deu certo. Voltei com o doutorado no tempo previsto. Poderia ter ficado mais tempo naquele país, pois me ofereceram bolsa de pós-doutorado. Meu compromisso era com o Brasil, uma vez que aqui quase tudo estava por fazer (e hoje ainda os desafios são enormes). Lá, com relação ao tema pontualidade, levei o assunto às raias do exagero. Só para se ter uma ideia, eu chegava a fazer um ensaio ao percorrer o trajeto com antecedência, quando era convidado para algum evento. No dia aprazado me adiantava, mas ficava esperando na esquina para chegar na hora certa. Seria indelicado chegar adiantado. A pontualidade teria que ser britânica.

Já com os japoneses, pontualidade é diferente. Quando se diz 7 horas significa 6h50. Fui alertado para isso e procurava cumprir religiosamente. E olha que foram mais de 20 especialistas que por aqui estiveram e por muito tempo. Só dei azar uma vez. Convidei um professor para almoçar. Como praxe, fiz o ensaio do tempo necessário para buscá-lo no hotel. No dia, não contava com a feira de artesanato na avenida Afonso Pena.

Não só não cheguei os 10 minutos antes, como me atrasei 5. Ele ficou de cara fechada durante todo tempo. Certa vez, acompanhei a Porto Alegre o presidente de uma importante instituição que nos assistia. Combinamos: café da manhã às 7. Pensei, ele vai descer às 6h50. Quando abriu a porta do elevador, lá estava eu dizendo good morning. Eu tinha descido às 6h45. Nesse tema, há exceções entre nós. Vez por outra, encontramos pessoas que professam esta religião: o governador Antonio Anastasia. Quando era secretário do Planejamento interagimos durante o projeto choque de gestão. Nunca, nas várias reuniões, tive que esperar um minuto além da hora marcada. Como disse no início, não consigo me libertar dessas experiências e vou levando a vida, tentando me acostumar ao jeitinho brasileiro.