Não existem coincidências. São gentilezas divinas, como assinala São Tomás de Aquino.

Em 1985, a Fundação Christiano Otoni da EEUFMG foi contratada pela Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e do Comércio para elaborar um curso básico de gestão da qualidade e produtividade. No projeto teríamos que analisar o conhecimento que existia no exterior e no país, de forma que o curso a ser elaborado fosse atualizado e mostrasse a influência do assunto no desenvolvimento dos países enfocados.

Os recursos do projeto permitiam contatos com especialistas de renome mundial, participar de cursos e seminários, contratar consultores para nos ajudar na tarefa, entre outras possibilidades, a fim de que o curso viesse a contribuir também para o desenvolvimento brasileiro. Eu fui o coordenador desse projeto e também um dos integrantes da equipe de nove pessoas encarregadas de conduzir o estudo. Assim, fui aos Estados Unidos, onde tive o privilégio, junto com Carlos Bottrel Coutinho, de assistir ao seminário de quatro dias do dr. W. E. Deming, grande autoridade no assunto, ao Japão e Coreia do Sul em busca de conhecimentos.

No Japão e Coreia, participei de missão técnica brasileira, com mais 40 pessoas. A programação japonesa era conduzida pela União Japonesa de Cientistas e Engenheiros (Juse). Além das palestras e visitas a empresas, nosso objetivo era estabelecer contato institucional com a Juse. Na recepção da missão ficamos conhecendo o presidente da citada organização; nas três semanas restantes, buscamos de todas as formas um contato com ele, sem sucesso. Ora a programação não permitia, ora ele não estava disponível. Assim o tempo foi passando, o tempo no Japão terminou e seguimos para a Coreia. Lá fizemos programação idêntica. Era para retornar diretamente ao Brasil, mas decidimos voltar a Tóquio e tentar o nosso objetivo. Em Tóquio, arquitetamos o seguinte plano: vamos à Juse com a desculpa de comprar literatura técnica e, uma vez lá, tentaremos falar com algum executivo. Era uma sexta-feira, saímos do hotel com o endereço escrito com os caracteres japoneses e o passamos ao taxista. No trajeto ele se perdeu, parou o carro, desligou o taxímetro (como convém a uma pessoa honesta, uma vez que a falha fora dele), procurou orientação com pessoas do local e depois retomou o trajeto.

Chegamos à Juse, dirigimo-nos à recepção e pasmem: naquele exato momento nos encontramos com o presidente, Jungi Noguchi, que se despedia de dois visitantes israelenses. Se o GPS fosse difundido naquela época, não teria havido tal coincidência, pois teríamos chegado antes. Recebemos gentilezas divinas. Suponho que, às pessoas de boa vontade, essas gentilezas sempre acontecem. Muitas vezes, nós não as reconhecemos ou não somos merecedoras delas. No Japão, encontros são marcados com antecedência e normalmente por uma terceira pessoa influente, que tem relacionamento com as partes.

Quando o presidente nos viu e nós anunciamos que éramos da missão brasileira que estivera lá na semana anterior, o sr. Noguchi ficou perplexo e sem saber o que fazer. Aquilo era inteiramente fora do padrão. Depois do susto, pensou rapidamente e nos convidou para um rápido almoço, durante o qual nos pediu para voltar na segunda-feira, às 10h. Foi um teste, pois pelo horário ainda haveria tempo de voltar ao Brasil. Pensou: se voltarem é porque querem, de fato, a nossa ajuda. Não é preciso dizer que foi um dos mais longos fins de semana da minha vida. Depois de seis semanas fora, a vontade de estar em casa com a família não tinha medidas.

Fizemos a reunião, que durou menos de uma hora, expusemos nossas ideias e eles concordaram em vir ao Brasil para confirmar as possibilidades de cooperação. Era o dia 25 de junho de 1986 e no dia 12 de julho o sr. Noguchi chegou a Belo Horizonte acompanhado do sr. Ichiro Miyauchi. Iniciou-se uma parceria muito profícua, que durou 12 anos, com envio de 33 missões técnicas ao Japão e a vinda de muitos especialistas ao Brasil para nos ajudar; muitos deles ficaram conosco por mais de dois anos. O interessante é que nunca assinamos um contrato, um acordo, nada deste tipo. Tudo na palavra. Gentilezas divinas.